_
Paulo, nossa filha vai completar sete anos na próxima semana! Sete anos! _
exclamou empolgada _ Sua mãe e eu vamos fazer uma festa à fantasia... O que acha?
Mecanicamente,
o rapaz levantou os olhos do prato de sopa, que devorava vagarosamente. _ Acho
que seria formidável. Bia vai adorar ver todas as amiguinhas fantasiadas!!!
Onde seria?
_
Bem... Achamos que seria melhor na casa de sua mãe, pois o espaço é maior _
respondeu Laura.
_
De minha parte, concordo _ assentiu com a cabeça sem desviar os olhos do prato,
sacramentando um silêncio suave de paz entre ambos durante o restante do
jantar.
No
dia seguinte a mãe, empolgada com todos os preparativos e ao mesmo tempo
atarantada, saiu em busca dos convites e depois dos convidados, bem como de
todas as comidas que iriam ser servidas na preciosa festinha. Durante todo o
restante da semana mãe, pai e avós se viram completamente mergulhados no mundo
das fantasias, dos bolos e dos brigadeiros, sem contar na enorme lista de
presentes requisitados por Bia, que englobava até mesmo uma pedra da lua.
Fazia
uma fresca manhã no dia em que a menina amanheceu aniversariando. Ela acordou
empolgada, sentindo o cheiro de bolo espalhado por todos os cômodos de casa, o
que a fez entender que a mãe estava de pé já havia algum tempo. Olhou a
claridade que invadia o quarto pelas frestas da janela e, de súbito, sem que
entendesse as razões uma frase atravessou seus pensamentos: o
homem é um animal racional.
Tinha
escutado essa frase na noite anterior durante o jornal, que o pai assistia, mas
não sabia ao certo o que significava. Então o homem também era um animal? E o
que era ser racional? Os cãezinhos também eram assim? Dormiu com aquela dúvida
e tornou a acordar com ela, sentindo-se boba por não conseguir entender.
Levantou-se
e caminhou rumo à pequena penteadeira, olhando-se ao espelho: estava
completando sete anos e isso fazia dela uma pessoa praticamente adulta. Não
poderia mais ficar com aquela dúvida. Caminhou lentamente até a cozinha,
encontrando a mãe de pé e distraída _ Mamãe! _ disse firmemente _ Por que dizem
que o homem é um animal racional? _ A mãe virou-se atônita para a filha como se
tivesse tomado um tapa em sua distração. De onde, por Deus, aquela criança,
frágil e indefesa tirou aquela questão?
_
Filha... _ gaguejou _ ... de onde você tirou essas coisas?
_
Eu vi na televisão mãe... Você sabe o que significa?
_Bem...
O homem é um animal racional porque ele é inteligente e por isso é diferente
dos outros animais do mundo, tais como o cavalinho, o gato, o cachorro...
_
Diferente como?
Uma
pontada de aflição passou rápido na face da mãe. Por que, afinal de contas, as
crianças são tão questionadoras? _ Os homens conseguem construir casas, falar,
escrever... Essas coisas... _ respondeu erguendo as sobrancelhas, indagando
mudamente se essa resposta lhe seria satisfatória.
_
Mas mãe! As abelhinhas também constroem suas casas e as formigas também...
_
Mas nem as abelhas e nem as formigas conseguem falar ou escrever, conseguem?
_
Como podemos saber? _ ponderou a menina _ E se elas falarem e escreverem numa
língua que nós não conseguimos entender?
_
Talvez Bia... _ disse a mãe impaciente _ Mas nenhuma formiga ou abelhinha
possuem inteligência para inventar aviões, carros, refrigerantes... Os homens
são capazes de inventar um montão de coisas para que nossa vida seja mais
confortável... Por exemplo, antigamente os homens viviam em cavernas, mas como têm
inteligência, foi inventando diferentes meios de casa até inventarmos um modelo
que seja igual a essa em que moramos... Mas, desde que o mundo é mundo,
formiguinhas só sabem fazer formigueiro no modelo que sempre foi e as
abelhinhas só sabem construir colméias do mesmo jeito que sempre foi...
_
Hum... Entendi! _ resmungou enquanto corria em direção ao banheiro para escovar
os dentes...
O
dia transcorreu agitado, com a mãe indo e voltando da casa da avó,
transportando de carro os inúmeros enfeites e quinquilharias que fariam parte
da decoração. Quando a noite finalmente chegou Bia estava radiante de
felicidade com sua fantasia de fada encantada. Tinha pedido à mãe uma roupa
igual à da Hermione do filme do Harry
Potter, mas a mãe lhe disse que não havia encontrado.
_
Mãe... O Papai vai demorar muito? _ indagou ansiosa.
_
Não, logo ele chega e então iremos todos juntos para a casa da vovó...
Mal
havia respondido, escutou-se o barulho da fechadura e o abrir e fechar da
porta. _ Meninas... Já estou em casa _ gritou o pai, que as encontrou em seu
quarto _ Onde vocês vão vestidas assim? _ indagou abobado.
_
Como assim? _ respondeu a mãe perplexa _ Vamos à festa... Estamos à sua
espera...
_
Mas que festa?
_
Paulo... Hoje é a festa de aniversário da Bia... Não é possível que você tenha
se esquecido... Ontem mesmo comentei com você sobre o bolo de aniversário!!! _
agitou-se a mulher, horrorizada com o esquecimento do marido.
_
Festa? _ ironizou com cara de ofendido _ Você não me falou de festa nenhuma!!!
Como você pôde fazer uma festa para nossa filha e não me avisar de nada?
Durante
dezenas de minutos debateram, cada um defendendo suas razões, exaltando-se
mutuamente à medida que nenhum dos dois cediam. O pai jurava não saber da festa
e quanto mais via a mulher ficar indignada com o assunto, mais teimava não
saber. A mulher horrorizada com a teimosia do marido estava à beira de um
ataque de nervos, pensando até na possibilidade de agredi-lo.
De
repente, em meio ao calor da discussão, totalmente presenciada pela criança, a
mãe tomou a menina pela mão e dirigiu-se à saída _ Vou embora para a festa de
aniversário de nossa filha... _ disse aos berros _ Você vai se você quiser!!!!.
_ Entrou no carro apressada e dirigiu nervosamente até a casa da avó, onde
desabou em lágrimas assim que chegou.
Toda
a família, para desespero das crianças, parecia ter perdido o ânimo. Nem o
barulho de música podia se ouvir, como se uma força estranha tivesse decretado,
repentinamente, uma proibição de ser feliz. Bia, por sua vez olhava o rosto
dos adultos e não conseguia entender o motivo para tanta discussão.
Porque os adultos viviam fazendo
essas coisas bobas?
As
expressões de nervosismo e tristeza pioraram quando o pai chegou à festa, que a
essa altura perdia completamente sua importância, pois todos, homens e
mulheres, jovens e velhos pareciam ter um único objetivo: provar ao pai que ele
sabia da festa e que ele estava apenas bancando o teimoso. Do outro lado, o pai
veio até a festa apenas com um único propósito: provar a todos que ele não
sabia de festa alguma.
Um
intenso e acalorado debate iniciou-se pela casa afora, enquanto uma a uma, cada
criança foi-se acabrunhando num canto, decididas a ficarem quietas, achando
tudo aquilo muito triste.
Por que os adultos sempre brigavam?
Bia ficou muito triste. Será que realmente os homens eram animais diferentes por
inteligência? Em seu íntimo começou a achar que inteligência talvez não fosse
algo tão bom assim. Se os homens fossem tão inteligentes como realmente
acreditavam ser, certamente já teriam inventado uma máquina ou alguma poção mágica
para acabar com as brigas.
As
formigas e as abelhas, por sua vez, são sempre vistas juntas, trabalhando e
morando no mesmo lugar, e Bia não se recordava de ter presenciado em nenhum
momento de sua vida uma guerra entre formigas ou entre abelhinhas...
Certamente a guerra devia ser algo típico
de adultos... algo típico de pessoa bobas...
Silva Rumin
Um comentário:
muito boa. Parabéns, nada como uma escritora para transformar um acontecimento,
bjs
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