Amar.
Verbo transitivo direto, que exige um complemento. E ela, com seus sorrisos,
seu falar descontrolado e seu jeito de menina-mulher, tornou-se meu complemento,
quase que instantaneamente. E o amor, que por si só deveria bastar, para mim,
reles mortal, exigiu, com a crueldade de um torturador, que ela se tornasse o
nome e a identidade da frase “amar alguém”.
Ela
era bonita, mas não de uma beleza qualquer. Andava pelos corredores da vida, de
salto 15, como se a terra debaixo de seus pés se movimentasse a seu bel prazer.
Sorria com os olhos e enfeitiçava com seu perfume, lançando emanações de
encantamento que seduzia homens, mulheres e crianças.
Cruzou
o meu caminho como uma avalanche, destruindo minhas convicções sobre o certo e
o errado, sobre a verdade e mentira, com um único aceno. Pois ela tinha esse
dom: o de destruir com questionamentos toda a construção de um ser, que, pelas
experiências de vida, tinha como certo para o amor aquele cenário fantástico do
“comercial de margarina”, onde o acordar era repleto de sorrisos e a vida
repleta de paz.
E
a ilusão desse amor, do “comercial de margarina”, tomou-me. Propus namoro, que
ela diligentemente recusou, com o ar de mulher sensata, dizendo ser
precipitação. Propus, então, casamento. Mas com ar de mulher apaixonada,
relutante em mergulhar na escuridão das decisões mais sérias, disse um talvez,
ressaltando que tinha medo.
Mas
suas recusas se contrastavam com seus atos. Continuava sua cantilena de paixão
e sedução, fazendo de mim o que queria, ou quase tudo o que queria. Fazia
questão de dizer-me todos os dias que sentia saudades infindas e me desejava,
para depois sumir, atirando-se só Deus sabe por onde e com quem, em festas
tórridas. Dizia que se sentia orgulhosa de mim, mas escondia-me de sua família,
de seus amigos, de suas redes sociais, com a persistência de mulher decidida,
que sabia o que queria.
E
como lidar com alguém que diz que nos ama, para depois nos afastar? Como lidar
com a força da gravidade, que nos puxa para o chão, quando estamos tentando
voar? Eu relevava tudo, pois o amor, esse verbo transitivo direto, que exige
complemento, contaminado pela cegueira da paixão, não queria encarar o óbvio,
se é que em algum momento, diante disso tudo, houve um óbvio.
Rasguei-me
em mil pedaços apenas para agradar esse objeto direto da minha vida que,
teimosamente, confundia-me com palavras de amor e gestos que denunciavam um
final infeliz, sem nem mesmo ter um começo. Pois ela era bonita sim, mas era do
mal. Não um mal qualquer. Mas um mal perigoso, daqueles que se passam por
honestos e bem intencionados, com o simples objetivo de nos fazer de “bobos”.
Uma máscara para encobrir a fealdade.
Apenas
muito tarde meu amor percebeu que seu complemento não era tão complemento
assim. Sua cantilena de sorrisos, perfume e olhares, tinha objetivos diretos,
dos quais eu fui um efeito colateral de menor importância. Seu amor e sua
atenção tinha preço. Sim! Não um ou dois, mas vários preços. Meus presentes
baratos, não agradavam meu amor; minhas boas intenções, não eram suficientes;
minha atenção e carinho eram dispensáveis. Como agradar esse amor, faminto de
joias, perfumes caros e jantares em locais badalados, quando a realidade de sua
carteira mal dá para uma pizza?
Ela
é bonita, mas é do mal, pois brinca com a vida de homens, mulheres e crianças,
enfeitiçando-os, com o desejo calculista das vantagens que a paixão cega dá.
Anda pelos corredores da vida, com seu salto 15, pisando em corações, apenas
pelo prazer de obter algo em troca. Coloca-se no pedestal de mulher bela,
desejada e invejada, como se fosse um troféu, prestes a ser levado por aquele
que for o campeão dos campeões na arte de lhe proporcionar a vida de riquezas
que almeja.
Essa
mulher bonita, que é do mal, não tem visão. Enxerga-se como um eterno troféu,
brilhante, que sempre será disputado, como se o agora de sua beleza fosse
eterno. Não pensa nos estragos que seu caminhar vai lançando nos acostamentos
da estrada da vida, tão pouco no efeito que o tempo tem sobre a beleza e o modo
que o mundo tem de nos enxergar. Afinal de contas, todo troféu é substituível por
ser enferrujável e seu destino é a poeira dos anos, enquanto é esquecido em um
canto qualquer de uma estante velha.
E
novamente me indago: como lidar com a força da gravidade, que nos puxa para o
chão, quando estamos tentando voar? A norma culta da língua portuguesa deveria
alterar as exigências do verbo amar, como um ato formal de utilidade pública.
Amar deveria tornar-se um verbo intransitivo, sem exigência de complementos.
Para que há necessidade de amar alguém, se o amor deveria bastar-se a si?
O
complemento é ilusão, assim como tudo que o cerca. Por que um “status” no facebook vale mais que um abraço a sós? Por que a cerimônia de um
casamento, cheio de pompas e convidados, vale mais que o esforço diário para
fazer uma relação funcionar? Por que o dinheiro tornou-se condição para o amor?
Por que estamos tão presos a rituais burocráticos no amar, a ponto de até a
gramática deitar exigências formais na colocação de um verbo que, por si só,
deveria bastar-se?
Não
sei. Talvez eu esteja apenas procurando explicações certas, para algo incerto.
Ser manipulado e humilhado por quem amava é inexplicável. Ficamos arruinados,
imaginando tudo o que fizemos de errado, entregue a culpas inexistentes, a
pensamentos fixos de amor e ódio, chorando pelos cantos, lutando com a
ferocidade de uma besta para encontrar uma explicação que seja óbvia.
Mas
a obviedade nunca é fácil de compreender. A única resposta que encontro é
clara: eu amei sim, uma mulher bonita. Mas não deu certo, porque ela era do
mal.
G. P. Silva Rumin
G. P. Silva Rumin
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