domingo, 11 de novembro de 2018

RECOMEÇOS E O LIVRO “CORDILHEIRA” DE DANIEL GALERA


Por quantos recomeços se define uma vida? Um amor já gasto pela convivência diária de ambições que se colidem; trabalhos que já não nos satisfazem; ideologias, hábitos e costumes. Não há, de fato, um número certo, previamente definido para cada um de nós. Mas é possível afirmar, com toda a certeza do mundo, que a sociedade contemporânea tornou o esforço do “recomeço” quase que uma necessidade diária, sem o qual se torna difícil até mesmo concebermos a convivência com o outro.

Quando eu era criança, a vida, à primeira vista, parecia simples. Fácil de projetá-la, para os conservadores, e complicado de aceitar, se você é um inquieto, como eu. Imagine um mundo fechado, de casamentos rigidamente fixos, que precisavam, obrigatoriamente, durar até a morte; costumes de nossos avós ainda transmitidos, observados e cobrados das gerações mais novas, como se aquele passado, meio presente, fosse imutável, sólido, como um dogma. E tudo isso, e um pouco mais, imerso em uma sociedade sem internet, TV a cabo, e toda a parafernália tecnológica que invadiu o Brasil nos últimos 30 anos.
Não havia recomeços na solidez dos regramentos do mundo há pouco mais de 30 anos. A modernidade, cuja liquidez Bauman abordou com maestria, trouxe-nos um terrível dilema, enfrentado cotidianamente: diante da volatilidade das mudanças devemos manter a integridade de nossas crenças e do eu que alimentamos desde o nascer ou aprender a adaptar-se ao imponderável fato de que nada é fixo ou permanente, nem nosso eu ou nossas escolhas, crenças e costumes?
Essa indagação, que parece filosófica por demais, nos conduz a uma conclusão nada otimista, mas que explica racionalmente uma crescente confusão de extremismos que ainda persiste em assombrar a humanidade. Um extremismo que de tempos em tempos parece assolar o mundo, especialmente quando mudanças profundas insinuam-se social e politicamente. E o extremismo nosso de cada dia está ligado ao medo aterrador, que todos temos, de observar a visão que temos de mundo e o nosso lugar ruir em segundos quando algo não esperado é desencadeado.
O livro “Cordilheira” de Daniel Galera não é um livro de sociologia ou filosofia política, como talvez tenha transparecido nesse texto. O romance conta a história de Anita, a escritora de um único livro, que vive um relacionamento seguro e duradouro com Danilo, mas que ingressa em uma série de questionamentos interiores quando percebe que o companheiro não tem o mesmo objetivo que o seu: ter um filho.
Em uma espécie de fuga, ela deixa o companheiro e parte para Buenos Aires, onde conhece um misterioso argentino chamado Holden e seu excêntrico grupo de amigos, todos escritores. Anita se vê envolvida por uma estranha teia em que esses amigos permaneciam unidos por um uma espécie de pacto, onde cada um pretendia dar o desfecho para suas vidas, de acordo com o livro que havia escrito. E o desfecho da história de Anita é aterrador, mas também um novo princípio.
É uma história de um recomeço forçado por circunstâncias extremas. Estamos diante de uma mulher insegura com relação a si e a seu futuro, que se apega à vontade de ter um filho, como uma necessidade, quase obsessiva, de buscar um lugar-comum para si no mundo. Um algo que, certamente, desvia seu foco para a real necessidade, escondida atrás das cortinas de seus dilemas: mudar e construir seu próprio futuro.
E todo futuro somente é construído por mudanças e, ainda que protelamos, há uma espécie de lei silenciosa na natureza, que vez em quando coloca-nos em “xeque-mate”, obrigando-nos a rever nossos conceitos, antes de prosseguirmos. E a história de Anita despertou-me essa espécie de reflexão incômoda, mas necessária, por isso recomendo a leitura da “Cordilheira”.
O livro pode ser adquirido pela amazon.com.br. Espero que tenham uma boa leitura e um ótimo recomeço em suas vidas!


G. P. Silva Rumin

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