
Quando
eu era criança, a vida, à primeira vista, parecia simples. Fácil de projetá-la,
para os conservadores, e complicado de aceitar, se você é um inquieto, como eu.
Imagine um mundo fechado, de casamentos rigidamente fixos, que precisavam,
obrigatoriamente, durar até a morte; costumes de nossos avós ainda transmitidos,
observados e cobrados das gerações mais novas, como se aquele passado, meio
presente, fosse imutável, sólido, como um dogma. E tudo isso, e um pouco mais,
imerso em uma sociedade sem internet, TV a cabo, e toda a parafernália
tecnológica que invadiu o Brasil nos últimos 30 anos.
Não
havia recomeços na solidez dos regramentos do mundo há pouco mais de 30 anos. A
modernidade, cuja liquidez Bauman abordou com maestria, trouxe-nos um terrível
dilema, enfrentado cotidianamente: diante da volatilidade das mudanças devemos
manter a integridade de nossas crenças e do eu que alimentamos desde o nascer
ou aprender a adaptar-se ao imponderável fato de que nada é fixo ou permanente,
nem nosso eu ou nossas escolhas, crenças e costumes?
Essa
indagação, que parece filosófica por demais, nos conduz a uma conclusão nada
otimista, mas que explica racionalmente uma crescente confusão de extremismos
que ainda persiste em assombrar a humanidade. Um extremismo que de tempos em
tempos parece assolar o mundo, especialmente quando mudanças profundas
insinuam-se social e politicamente. E o extremismo nosso de cada dia está
ligado ao medo aterrador, que todos temos, de observar a visão que temos de
mundo e o nosso lugar ruir em segundos quando algo não esperado é desencadeado.
O
livro “Cordilheira” de Daniel Galera
não é um livro de sociologia ou filosofia política, como talvez tenha
transparecido nesse texto. O romance conta a história de Anita, a escritora de
um único livro, que vive um relacionamento seguro e duradouro com Danilo, mas
que ingressa em uma série de questionamentos interiores quando percebe que o
companheiro não tem o mesmo objetivo que o seu: ter um filho.
Em
uma espécie de fuga, ela deixa o companheiro e parte para Buenos Aires, onde
conhece um misterioso argentino chamado Holden e seu excêntrico grupo de
amigos, todos escritores. Anita se vê envolvida por uma estranha teia em que
esses amigos permaneciam unidos por um uma espécie de pacto, onde cada um pretendia dar
o desfecho para suas vidas, de acordo com o livro que havia escrito. E o
desfecho da história de Anita é aterrador, mas também um novo princípio.
É
uma história de um recomeço forçado por circunstâncias extremas. Estamos diante
de uma mulher insegura com relação a si e a seu futuro, que se apega à vontade
de ter um filho, como uma necessidade, quase obsessiva, de buscar um
lugar-comum para si no mundo. Um algo que, certamente, desvia seu foco para a
real necessidade, escondida atrás das cortinas de seus dilemas: mudar e
construir seu próprio futuro.
E
todo futuro somente é construído por mudanças e, ainda que protelamos, há uma
espécie de lei silenciosa na natureza, que vez em quando coloca-nos em
“xeque-mate”, obrigando-nos a rever nossos conceitos, antes de prosseguirmos. E
a história de Anita despertou-me essa espécie de reflexão incômoda, mas
necessária, por isso recomendo a leitura da “Cordilheira”.
O
livro pode ser adquirido pela amazon.com.br. Espero que tenham uma boa leitura
e um ótimo recomeço em suas vidas!
G.
P. Silva Rumin
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