segunda-feira, 7 de outubro de 2019

E EU BRIGUEI


Obrigavam-me a limpar a casa;
a lavar pratos;
a colecionar enxoval...
Meu coração queria livros.

A sociedade queria-me mulher;
mulher submissa, sem voz;
sufocada em máscaras impostas...
E, então, briguei...
Gritei por meus livros;
apanhei por desafiar essa ordem....
E, por desafiar a ordem,
recebi milhões de “não te aceito”,
repletos de ironias...
Deboches de quem deveria me amar...
Tentaram-me obrigar a ser doméstica.
Lugar de preta é nos trabalhos manuais,
assim disseram-me...
Vá para a roça, diziam uns;
Seja doméstica, diziam outros.
Mas meu querer almejava livros;
Impulsionava-me a ser doutora das leis.
E, então, briguei.
Novamente apanhei.
E não foi um simples “apanhar”.
Eu apanhei no lugar de muitos;
Especialmente daqueles que sonham...
E fui vista com pessimismo.
O pessimismo dos que julgam-se sábios;
senhores de uma razão natimorta.
Uma razão que nos quer inertes,
com fundamento, único, em nossa cor...
Mas por que o sonhar do negro é tão intimidador?
Não sei...
E nessa falta de saber,
não me deixei ser atada à senzala...
Aí tentaram me obrigar a um casamento de aparências.
Teria véu, grinalda, almoço aos domingos.
Mas eu queria livros e o amor das poesias.
E, então, eu briguei.
E, novamente, apanhei.
Mas quando estive mais machucada,
Especialmente, pelas palavras dos outros,
reergui-me com meus discursos.
Palavras que insuflam;
constroem e destroem...
Tornei apanhar...
Mas diante de minhas cicatrizes notei
que jamais conseguiria esconder-me.
Em meio a crendices e costumes,
sei que é melhor esconder-se,
usando o manto social do faz de conta.
Mas esconder-se é dor... É tortura...
Sou mulher e quero direito a escolhas...
Sou negra e não pertenço à senzala...
Sou gay e meu amor é libertação...
Pois no final de todas essas roupagens,
o que somos nós, senão, humanos?
Todos, absolutamente, todos,
simplesmente humanos...

G. P. Silva Rumin


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