O que é a loucura? Por muitas ocasiões ruminei em meu âmago tal questão, especialmente quando me chamavam de louca, apenas por ser como sou.
Confesso que o passar dos anos melhorou esse “rótulo” sobre mim, mas, como uma tatuagem, sempre o carreguei onde quer que estivesse. Gostar de heavy metal, usar pircing, escrever, ler compulsivamente, maratonar séries, sempre foram sinais evidentes de uma loucura tremenda para meus amigos, sem contar o falar gesticulando (como boa descendente de italianos!), levantar a voz para conversar, ser mestra em fazer caretas involuntárias andando pelas ruas, votar na legenda do PV nas eleições, entre outras infinitas excentricidades que fui cultivando involuntariamente.
Uma coisa é certa, carregar o rótulo de
louca me ensinou que essa “loucura”, sinônimo de excentricidade, sempre está
nos outros. Soa estranha essa frase, mas quantas pessoas apontamos como loucas
tão somente por agirem ou reagirem diante de uma circunstância da vida de modo
diferente de nós ou simplesmente por serem totalmente diferente de nós? Porque
a loucura está intimamente interligada ao diferente, àquela pequena esfera do
que compreendemos como natural em nossas vidas e que nos faz sentirmos seguros.
Ao crescer em um mundo que estabelece
como padrão de normalidade “o falar baixo e sem gesticular” como polido,
qualquer gargalhada em decibéis mais altos é considerada grosseira. Verdadeira
“coisa” de maluco. E quantas coisas são encaixáveis neste mesmo raciocínio?
Homossexualismo, posições partidárias, modo de pensar, falar, vestir-se,
crenças religiosas, a divisão humana em raças, cores e países.
Você, como eu, já imaginou como é comum
essa inclinação humana de dividir e rotular tudo e todos apenas para dar
sentido de grupo e identificação? Pois é essa divisão que dá uma espécie de
sensação de segurança; exatamente a mesma que, instintivamente, cultivamos
quando deitamos à noite, crentes de que vamos acordar na manhã seguinte.
Já li “O Alienista” de Machado
de Assis por inúmeras vezes e, em todas as ocasiões, fico a refletir
sobre a razão dessa necessidade do ser humano se dividir em absolutamente tudo,
por defeitos, por virtudes, cor de pele, sexualidade, raças, países, religiões,
e mais uma enxurrada de outros padrões despejados pela modernidade e pela
liquidez das informações e memórias que nos cercam.
Em capítulos curtos, Machado consegue
dissecar e questionar com ironia tudo aquilo que estabelecemos como virtudes,
defeitos, adequado e inadequado. O enredo contado a partir de Simão Bacamarte,
o alienista de uma pequena cidade do interior do Rio de Janeiro, aborda a
“loucura” a partir das teorias do próprio médico, apontando como doença não só
os problemas mentais, como também o excesso de modéstia, humildade,
egocentrismo, caridade, gosto excessivo por joias, roupas e posições políticas.
E é Simão Bacamarte quem define com critérios teorizados o que é a doença da
loucura ou não, funcionando como verdadeiro censor do correto e do incorreto.
E fica clara a associação de Simão
Bacamarte com os padrões sociais de uma época que, ao ser descrita com
brilhantismo por Machado, torna o alienista uma novela que perpassa o tempo e o
espaço.
O desfecho da obra não poderia ser
distinto. Simão Bacamarte dá alta a todos os seus pacientes e num arroubo
reflexivo percebe-se como um doente mental e, então, interna-se para
autotratamento. Mas na obra de Machado não é Simão quem está doente. É a
sociedade, as normas e costumes herdados e repetidos, e a própria classificação
das doenças que, em si, já é uma espécie de “loucura”.
Para os amantes de Machado de Assis, a
novela “O Alienista” é imprescindível e, na opinião de alguns, como eu, uma
obra genial e sempre contemporânea.
Pode ser adquirida através de
publicação em papel e em ebook pela amazon.com.br. E, como louca que sou,
desejo a vocês uma boa “loucura” e leitura!
G. P. Silva Rumin
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