Participei de um evento, há alguns dias,
como voluntária na organização. Era uma espécie de conferência em que
receberíamos muitas pessoas. Meus companheiros e eu tivemos de fazer de tudo e
quando digo tudo, refiro-me a tudo mesmo: limpamos o salão, prestávamos
informações na recepção, atendíamos telefone, entre outras coisas. Não me
recordo a hora, mas sei que já estava quase no início do evento, quando então,
ao entrar no banheiro, notei que tínhamos esquecido de limpá-lo. Meu susto foi
tão grande que, esquecendo do aperto na bexiga, limpei tudo rapidamente. O chão
brilhava tanto que até pensei em trocar a plaquinha de “banheiro feminino” para “toillet
les femmes”, mas contive esse meu rompante afrescalhado.
Quando tornei ao saguão, a voluntária
que estava na recepção me olhou com rosto de desespero e disse que ia ao
banheiro. Eu a adverti que tomasse cuidado para não cair ou escorregar, pois o
chão estava molhado, já que tinha acabado de ser lavado. Quando retornou (com a
face mais aliviada!) disse-me sorridente “nossa...
usar um banheiro limpo é outra coisa”. Nesse momento, minha bexiga me
lembrou que eu não tinha usado o “toillet
les femmes” na primeira vez, o que me fez praticamente correr de volta. Quando
cheguei, para minha decepção, minha amiga tinha transformado o toillet, novamente, em um simples
banheiro, pois o chão estava cheio de pegadas pretas. O mais curioso era que eu
havia deixado o pano de chão e o rodo bem perto da porta, bem na vista de
qualquer pessoa que ali entrasse, pois estava esperando secar o chão para
guardá-los.
O que me chamou a atenção por óbvio não
foi a sujeira ou as pegadas no chão, mas sim a postura. Pensem comigo! Fato número
um, todos gostam de um banheiro limpo. Fato número dois, minha amiga também
gosta de um banheiro limpo. Fato número três, seria impossível até para um
míope sem óculos não ver a sujeira no chão. Fato número quatro, havia um rodo e
um pano perto da porta. Mas a única coisa que não é fato nem algo explicável, é
a razão pela qual a moça não limpou o banheiro assim que saiu.
A resposta é óbvia. Ela tem o vírus do
conto de fadas. Vocês duvidam?
Princesas de conto de fadas desejam
acima de tudo o amor verdadeiro, sempre há príncipes encantados, comida farta,
camas com lindas cortinas presas em um dossel, espadas brilhantes, homens
lindos, muito, mais muito glamour. E é lindo como sempre tudo termina em
casamento, como tudo é “felizes para
sempre”, e, principalmente, como num estalar de dedos o mundo se torna
perfeito, limpinho, cantarolante e saltitante! Ah... esses contos de
fadas... Parece que basta um estalar de
dedos para que os pássaros gorjeiem, as flores desabrochem e tudo fique limpo,
brilhante e cheiroso!
Ninguém nunca contou para vocês que a
Branca de neve faz xixi, cocô e menstrua? E se menstrua, a infeliz deve ter TPM
e se tem TPM, durante certo período do mês, com certeza, aquele sorriso
angelical some do rosto. E a Cinderela, minha gente? Vocês acham que ela não
acorda de mal humor? E os príncipes encantados? Não me diga que vocês esperam
que eles sejam “encantadores para
sempre...”, porque toda mulher sabe o quanto um homem pode ser irritante às
vezes... ou melhor na grande maioria das vezes.
A grande questão dos contos de fadas é
que eles sempre terminam quando tudo está lindo, mas a história não continua
para mostrar às pessoas como aquele lindo mundo é mantido pelo esforço dos
personagens. Ninguém nunca vai ler que a princesa Jasmin colocou o Aladin para
fora do quarto por ele ter bebido um pouco a mais na noitada com os amigos;
ninguém nunca vai saber o quanto é difícil manter esse pequeno mundo angelical
de “felizes para sempre”. Essa é, na
minha opinião, a razão pela qual as pessoas acham que para melhorar o mundo, não
precisam fazer nada e é não fazendo nada que esperam o “felizes para sempre”, afinal de contas, sempre tem alguém (um
príncipe encantado), que um dia virá e realizará todos os nossos sonhos!
As pessoas reclamam de que seus filhos
não têm qualidade no ensino, mas votam num Tiririca para deputado federal, por
acharem engraçadinho terem mais um palhaço no Congresso... Dizem que adoram um
banheiro limpo, mas são incapazes de limpar a própria sujeira, muito menos de se
conscientizar que sua sujeita gera problemas para os outros. Acham ruim que as
ruas estejam esburacadas ou que o asfalto ainda não tenha chegado em suas ruas,
mas não pensam duas vezes antes de jogar lixo no chão, aumentando o trabalho e
o custo público para manter um certo ar de limpeza nas ruas, já que excesso de
lixo nas ruas aumentam os problemas com enchentes.
Ah! Quase me esqueci do “bolsa família”!
Que gafe! Há aqueles que falam mal do governo por causa do bolsa família, bolsa
aquilo e mais aquilo outro, mas não perdem a oportunidade de tirar vantagem
quando o assunto é fraudar o INSS, forjando laudos médicos para ter auxílio
doença, ou então manipulando dados nas declarações de imposto de renda...
E os intelectuais de plantão? Sentam
suas santas bundinhas em cadeiras estofadas, falam de épocas passadas,
especialmente da ditadura militar (como adoram falar da ditadura militar!), com
palavras difíceis e cheias de rapapés e “cracias, ismos e etc”, mas são
incapazes de estender a mão para alguém... Esses aí são uma raça de seres extraterrestres
e fáceis de detectar... São os mesmos que falam mal dos voluntários ou
religiosos que doam tempo e dinheiro para ajudar os outros... Para mim são
múmias vivas, tentando levar o mundo para dentro do sarcófago...
O mundo está contaminado pelo vírus do
conto de fadas... São aqueles homens que traem suas esposas, mas na hora que se
vêem traídos, se revoltam, se ofendem e arrotam seus moralismos aqui e ali,
ganhando seguidores... Alguns cometem crimes passionais, outros viram
personagens de livros do Jorge Amado, como o Coronel Jesuíno... E assim essa
tirania do “se apronte que hoje eu vou
lhe usar” nunca acaba... Também tem as Suelen da vida! Aquela mesma da
novela Avenida Brasil, que todos os dias ensina nossas crianças que a
promiscuidade também pode virar um conto de fadas... Pelo menos até o momento
que alguém se achar no direito de lavar a honra com sangue, como o Coronel
Jesuíno fez, já que neste país, parece que todos gostamos de usar, mas ninguém
gosta de ser usado!
Sejamos francos. Você acha que seu voto
não faz a diferença? Lamento em dizer que está enganado. O peso de seu voto,
quem dá é você, não os outros. A responsabilidade por manter as ruas limpas,
não é do prefeito de sua cidade ou dos garis, é toda sua. A responsabilidade de
ensinar seu filho que a promiscuidade é algo nocivo, não é da Rede Globo, é
toda sua. A responsabilidade pela corrupção desse país, não é dos políticos que
nos roubam, é de você que maquia seu imposto de renda, é de você que joga lixo
na rua, é de você que acha que mentir é necessário, é de você que acha que seu
voto não tem peso algum para mudar as coisas, é de você que usa o nome de Deus
para discriminar seu próximo.
Não esperem que um príncipe encantado
ou uma princesa de conto de fadas venha para nós salvar de um Brasil incoerente
e sem educação, depositando suas energias e sua fé “nos outros”. Os contos de
fadas somente existem, porque foram criados pelo esforço de alguém. As
princesas moram em castelos, porque alguém os inventou e os construiu; suas
roupas são lindas, porque alguém as desenhou e as costurou; os príncipes são
garbosos e musculosos, porque cultivaram um corpo assim; as mesas tem banquetes
fartos, porque pessoas cultivaram o solo ou criaram animais para o abate. Tudo
isso é mantido por estalar de dedos? Não! O trabalho, a responsabilidade e o
altruísmo muda o mundo, não os outros...
Não se muda o mundo estalando os dedos
e nem pedindo que “Deus nos mande alguém
ou alguma coisa”. Aliás, Deus só consegue fazer alguma coisa, por
intermédio de homens que se disponham a agir. Portanto, comece por você mesmo.
Não espere que alguém venha e limpe onde você acha que está sujo. Tome você o
rodo e o pano e limpe. Faça a sua parte. Seja você o incentivo que o mundo
precisa. Não espere que surja um libertador ou um “messias” que guie os homens para uma “terra encantada”. Seja você mesmo o exemplo que deseja seguir.
Faça sua parte e seu voto terá todo o peso do mundo.
Naquele dia não tive alternativa. A
conferência estava para começar e, é claro, deixar o banheiro daquele modo era
algo inadmissível. Sem qualquer cerimônia, tomei o rodo e o pano e tornei a
passar nos lugares que estavam sujos, afinal de contas, se eu deixasse para outro
fazer, estaria sendo omissa com o trabalho que eu havia me comprometido e
poderia estar agora contaminada por esse vírus... o vírus do conto de fadas.
Silva Rumin
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