O
sol estava quente naquele dia de verão e Gia olhava o movimento dos carros que
ultrapassavam o ônibus que havia tomado e que se encontrava completamente
lotado neste momento. Lançou um olhar aflito para as pessoas que se enroscavam
por todos os espaços e sentia-se sufocada quando percebeu um senhor de pé, com
dificuldades para se equilibrar.
Mesmo
um pouco a contragosto, mas pensando no sofrimento do senhor, ofereceu em meio
a gestos e murmúrios o seu lugar para que ele sentasse e foi com expressão de
alívio que o senhor sentou, olhando espantado para aquela jovem menina que
educadamente havia lhe feito um bem.
De
repente ao fitar o ar despreocupado da menina, o senhor William tomou
consciência do quanto o mundo necessitava de boas ações. Desembrulhou um
chocolate e se pôs a mastigá-lo displicentemente, segurando, entre suas mãos a
embalagem vazia sem saber ao certo o que faria dela. Quando desceu do ônibus,
imediatamente fez menção de jogar a embalagem ao chão, mas pensou na atitude
educada e solícita que Gia havia tido para com ele e decidiu caminhar um pouco
mais até achar uma lixeira, o que realmente aconteceu.
Lucas
estava quieto, mirando as pessoas pelas ruas, pensando em todas as coisas que
faltavam em sua casa. Como alimentaria seus três filhos? Como poderia arrumar
um emprego? Talvez ele pudesse furtar coisas e vendê-las, o que seria realmente
fácil. Todavia, pensando nas vantagens que a criminalidade lhe traria, de
repente seus olhos se fixaram num senhor, muito velho, com algo na mão
caminhando até a lixeira e lá deixando um papel ou algo que não sabia
identificar.
Nunca
soube ao certo, mas o fato é que Lucas sentiu uma mensagem calar fundo em seu
coração. Trocaria a honradez e a decência para viver à marginalidade? Se todas
as pessoas que possuíssem dificuldades ingressassem por tal senda, o mundo
realmente seria um inferno. Ser honesto sempre valeria à pena, mesmo que ele
tivesse que levar uma vida igual àquele senhor: caminhar em meio a um amontoado
de lixo, para fazer a coisa certa.
Quando
Lucas chegou a casa, naquela noite, chamou seus filhos e esposa, e contou-lhes
tudo o que havia aprendido naquele dia através do exemplo daquele senhor e
todos os seus filhos sentiram os corações mais leves ao escutarem o entusiasmo
de seu pai, que nos últimos dias encontrava-se muito triste.
Silas,
o filho caçula de Lucas, foi dormir com a cabeça povoada de sonhos e
lembrando-se da frase do pai “Façam a coisa certa, mesmo que vocês tenham que
viver em meio ao lixo!!! Não é preciso se deixar contaminar pela sujeira”,
tomou a resolução de um dia lutar para transformar o mundo num lugar melhor.
Aquele
menino um dia tornou-se um homem, que desejoso de limpar todas as sujeiras do mundo,
praticou inúmeras boas ações no sentido de ver concretizado os direitos
humanos, trabalhando para combater a fome, defendendo o direito de tratamento
digno a todos os doentes e atacando todos os motivos egoísticos que fundamentam
as guerras.
Suas
ideias começaram pequenas e foram se alargando com suas experiências e, à
medida que aprendia, inspirou muitos homens, mulheres e crianças a lutarem pela
limpeza de todas as sujeiras do mundo, e estes homens, mulheres e crianças
inspiraram muitos outros mais a fazerem o mesmo, por onde quer que estivessem.
E
Silas e todos os outros jamais imaginaram que a causa de mudança de seus
destinos ocorreu num dia quente de verão, dentro de um ônibus lotado, onde uma
jovem adolescente, chamada Gia, cedeu lugar ao senhor William para que ele se
sentasse. Tão pouco Gia jamais soube quais as consequências de seu gesto
perante o mundo, pois nunca percebeu que de um modo ou de outro todos estamos
interligados e que um pequeno gesto seu poderia, de repente, mudar o curso de
toda a história da humanidade.
Gisele Aparecida Pereira da Silva
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