A intensa mistura de nervosismo e calor me deixava
zonza, naquela tarde de segunda-feira. Eu olhei pelos lados, indecisa, tentando
imaginar se estaria tomando a decisão certa, enquanto olhava a placa indicando
a floricultura.
Nunca fui romântica, confesso. Meus versos, sempre
serviram muito mais para expressar minha decepção com o amor, que propriamente
celebrá-lo, e sempre achei abominável presentear alguém com flores.
Elas são livres, como a qualquer dom da natureza,
até o momento em que num ato autoritário as cortamos e, como ditadores, as embrulhamos
em ramalhetes, reluzentes e orvalhados, para então transmudá-las em um adorno
qualquer em forma de presente.
A mim, era um gesto de desumanidade fazer algo vivo
tornar-se objeto. Algo impensável, mas aceito e encorajado pela sociedade e,
acreditem, utilizado como paradigma de romantismo e sedução.
Mas naquele dia me obriguei a ser diferente,
abrindo uma exceção. Quis ser romântica, ou melhor, parecer romântica. Em meu
íntimo, tudo que desejava era ver o mar azul de seus olhos revirando em
profusão, como quando partíamos para o sexo após nossas discussões bizarras por
meras banalidades. Trivialidades de um casal nada convencional.
Hoje vejo esses nossos momentos com uma curiosa
ponta de tristeza, enquanto tento entender o que o amor representava para você
afinal. Desde a primeira vez que a vi, tudo em mim resumia-se a uma estranha
busca por provar meus sentimentos.
Quantas vezes julguei-me errada e torta? Quantas
tristezas calei na alma, quando percebia, desiludida, que nada seria suficiente
para você? Não sei por que razão me deixava prender a esse estranho jogo
medieval, onde eu bancava um cavaleiro destemido e teimoso, sempre disposto a
cortejar a mulher que amava.
Diante da mais absoluta ausência de conhecimento
sobre jardinagem, em meio a tantas alternativas, parti para um confortável
clichê, comprando rosas vermelhas... Afinal, diziam que tal cor representava o
amor, um sentimento nobre, profundo e vermelho, tão visceral como um poema de
Florbela Espanca.
Mas esse vermelho tornou-se claro e frio como a neve.
Eu lhe dei as flores. As melhores que pude. Você me olhou com o olhar de uma
mulher decidida a manter-me longe para sempre, enquanto senti meu coração
despedaçar ao me ver nessa humilhante condição de cortejar o impossível, como
todo poeta romântico...
Não exigi explicações, quando você decidiu se
distanciar, com a desculpa de que nunca esteve pronta para amar. Fingi, com uma
atuação digna de Oscar, uma
compreensão quase religiosa, quando você destruiu meu gesto romântico, com
olhares de tristeza, medo e uma gélida ausência.
Aprendi, muda, que esse romantismo ensinado pela
literatura da vida, nada tinha de sincero ou verdadeiro. O amor para a grande
maioria não passava de uma quimera, construída de gestos rotineiros,
rigidamente executados por duas pessoas unidas num propósito de se estabelecer
numa relação... Tudo muito mecânico, socialmente encorajado, ensaiado e, é
claro, estereotipado...
Mas onde estaria o amor, o verdadeiro, aquele que é
essencialmente livre? Sempre pensei nele como algo que existia e persistia,
independente de opiniões, fórmulas, métodos ou preconceitos. Mas confesso que
não o encontro, por mais que o procure.
Terá ele sobrevivido em meio a tantos joguinhos de
conquista, com indas e vindas sem sentido? Talvez esse romantismo literário tenha
sufocado o amor, tornando-o uma regra social... Encarcerou-o em um código de
obrigações, tirando sua espontaneidade...
Meus gestos românticos, é claro, foram precursores
de mais uma decepção, sentimentozinho esse cruel e vergonhoso, sempre presente
quando nos enganamos com algo ou alguém. Uma cicatriz incômoda, vez e outra
avivada entre minhas recordações.
Era o ano de 2001, quando meu peito viu-se obrigado
a abrigar mais essa ferida. O ano em que pela primeira e única vez, presentei
com flores a alguém... O ano em que descobri nunca ter conhecido o verdadeiro
amor.
Silva Rumin
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