domingo, 9 de março de 2014

FLORES

A intensa mistura de nervosismo e calor me deixava zonza, naquela tarde de segunda-feira. Eu olhei pelos lados, indecisa, tentando imaginar se estaria tomando a decisão certa, enquanto olhava a placa indicando a floricultura.
Nunca fui romântica, confesso. Meus versos, sempre serviram muito mais para expressar minha decepção com o amor, que propriamente celebrá-lo, e sempre achei abominável presentear alguém com flores.
Elas são livres, como a qualquer dom da natureza, até o momento em que num ato autoritário as cortamos e, como ditadores, as embrulhamos em ramalhetes, reluzentes e orvalhados, para então transmudá-las em um adorno qualquer em forma de presente.
A mim, era um gesto de desumanidade fazer algo vivo tornar-se objeto. Algo impensável, mas aceito e encorajado pela sociedade e, acreditem, utilizado como paradigma de romantismo e sedução.
Mas naquele dia me obriguei a ser diferente, abrindo uma exceção. Quis ser romântica, ou melhor, parecer romântica. Em meu íntimo, tudo que desejava era ver o mar azul de seus olhos revirando em profusão, como quando partíamos para o sexo após nossas discussões bizarras por meras banalidades. Trivialidades de um casal nada convencional.
Hoje vejo esses nossos momentos com uma curiosa ponta de tristeza, enquanto tento entender o que o amor representava para você afinal. Desde a primeira vez que a vi, tudo em mim resumia-se a uma estranha busca por provar meus sentimentos.
Quantas vezes julguei-me errada e torta? Quantas tristezas calei na alma, quando percebia, desiludida, que nada seria suficiente para você? Não sei por que razão me deixava prender a esse estranho jogo medieval, onde eu bancava um cavaleiro destemido e teimoso, sempre disposto a cortejar a mulher que amava.
Diante da mais absoluta ausência de conhecimento sobre jardinagem, em meio a tantas alternativas, parti para um confortável clichê, comprando rosas vermelhas... Afinal, diziam que tal cor representava o amor, um sentimento nobre, profundo e vermelho, tão visceral como um poema de Florbela Espanca.
Mas esse vermelho tornou-se claro e frio como a neve. Eu lhe dei as flores. As melhores que pude. Você me olhou com o olhar de uma mulher decidida a manter-me longe para sempre, enquanto senti meu coração despedaçar ao me ver nessa humilhante condição de cortejar o impossível, como todo poeta romântico...
Não exigi explicações, quando você decidiu se distanciar, com a desculpa de que nunca esteve pronta para amar. Fingi, com uma atuação digna de Oscar, uma compreensão quase religiosa, quando você destruiu meu gesto romântico, com olhares de tristeza, medo e uma gélida ausência.
Aprendi, muda, que esse romantismo ensinado pela literatura da vida, nada tinha de sincero ou verdadeiro. O amor para a grande maioria não passava de uma quimera, construída de gestos rotineiros, rigidamente executados por duas pessoas unidas num propósito de se estabelecer numa relação... Tudo muito mecânico, socialmente encorajado, ensaiado e, é claro, estereotipado...
Mas onde estaria o amor, o verdadeiro, aquele que é essencialmente livre? Sempre pensei nele como algo que existia e persistia, independente de opiniões, fórmulas, métodos ou preconceitos. Mas confesso que não o encontro, por mais que o procure.
Terá ele sobrevivido em meio a tantos joguinhos de conquista, com indas e vindas sem sentido? Talvez esse romantismo literário tenha sufocado o amor, tornando-o uma regra social... Encarcerou-o em um código de obrigações, tirando sua espontaneidade...
Meus gestos românticos, é claro, foram precursores de mais uma decepção, sentimentozinho esse cruel e vergonhoso, sempre presente quando nos enganamos com algo ou alguém. Uma cicatriz incômoda, vez e outra avivada entre minhas recordações.

Era o ano de 2001, quando meu peito viu-se obrigado a abrigar mais essa ferida. O ano em que pela primeira e única vez, presentei com flores a alguém... O ano em que descobri nunca ter conhecido o verdadeiro amor.
Silva Rumin

Nenhum comentário: