1989. Nas rádios, Cazuza cantava O tempo não para.
Eu tinha dez anos. Minha família não tinha dinheiro, tão pouco perspectivas de
melhora com o final do governo Sarney, que a todo custo tentava controlar a
inflação que torturava o país.
Por isso, quando eu escutava Cazuza dizer que
pessoas transformavam o país num puteiro, pois assim se ganhava mais dinheiro,
sentia admiração por ele, pois alguém que vinha a público cantar algo assim,
certamente tinha grandes ideias.
Ele foi meu herói. Sua poesia me conquistou. Mas
essa imagem, que eu criei, caiu por terra quando naquele mesmo ano vi Cazuza ir
ao Troféu Imprensa de cadeiras de rodas para receber o prêmio.
Eu não sabia o que era ser soropositivo. Mas nos
anos 80 e 90, ser portador dessa doença, era o mesmo que ter um estigma exposto
e uma sentença de morte. Com tudo isso, confesso que sofri ao descobrir que meu
herói não era um ser superior, de armadura, com espada na cintura e uma língua
afiada. Ele era humano, como eu.
Isso mostra o quanto somos frágeis em nossas
ideologias e como a noção de tempo altera nossas crenças. Um criminoso do passado
pode tornar-se um herói no futuro. O grande herói de um povo pode ser
considerado assassino por outro povo. Tudo depende de onde estamos e de nossas crenças.
Joana D’Arc era uma heroína mística para os
franceses; para os ingleses não passava de uma bruxa. Nelson Mandela era
considerado um terrorista para os brancos da África do Sul; para os negros, era
uma inspiração. O presidente Truman, dos Estados Unidos, foi um estadista para
os americanos; para os japoneses, foi o homem que autorizou o massacre com as
bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki.
Hoje quando analiso os mitos de nossa cultura, sou
tomada de um pessimismo estranho, que beira à desilusão. Homens são movidos por
ideologias e como crianças estão sempre à procura de ídolos que encarnem suas
aspirações. Mas no fundo, não existem heróis, nem seres superiores, nem grandes
conquistas.
Os heróis de nossa cultura foram homens ou mulheres
que representavam, por grandes atos, as aspirações do povo. Mas que diferença
há entre nossos heróis literários e de um pai ou mãe, que mesmo na adversidade,
trabalha todos os dias para dar uma vida digna às suas famílias? E como não
deixar de admirar o valor da honestidade? A alegria simples, das pessoas
simples, mesmo diante de noticiários pessimistas? Qual a diferença?
Eu diria que há muita diferença. A grandeza dos
heróis anônimos é maior que a daqueles que praticam atos considerados grandes.
O bem, o amor, a honestidade, a alegria, são mantidos, não pelos heróis, mas
por essa massa de homens e mulheres anônimos, que diante da adversidade da
vida, optam pelo caminho do bem.
Por isso acredito que não existem homens pequenos.
Todos os homens são grandes. Todos os homens são heróis. Heróis de si mesmo, forjados
por suas escolhas.
Silva Rumin
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