9:00
horas. Caia uma chuva torrencial na “cidade sem limites” naquele domingo, pós-carnaval.
Acessei meu facebook e deparei-me com
a notícia triste da morte de um amigo do trabalho. Uma morte que não foi
anunciada, tão pouco esperada, mesmo quando a notícia de uma doença misteriosa
o havia acometido na quarta-feira de cinzas.
Era
um bom moço. Tinha vinte e sete anos. Espalhava sorrisos de galhofa, enquanto
discutíamos os rumos de “Game of Thrones”,
entre uma pausa ou outra da tela dos computadores e do mundo de leis que nos
engolia todos os dias. Era proativo. Sabia que, além de sua rotina exaustiva de
oito horas de trabalho, fazia seus incontáveis “bicos” após o expediente. Tinha uma jovem esposa, um filho de dois
anos e um bebê por nascer.
Caminhava
pela vida com o sonho de construir algo: família, patrimônio, reputação,
tranquilidade financeira. Uma jornada diária com vistas a um futuro melhor,
cada dia mais difícil de ser conquistado, nessa era de sonhos e ilusões gerados
pela modernidade líquida. Alguém preocupado com o futuro, entregando-se a um
agora repleto de responsabilidade.
Indago-me
a razão de tudo, se é que para a morte há uma razão. Somos todos sonhadores e
realizadores quando crianças, mas esse mundo, cruel e torturador, deita em seus
sermões uma série de valores que temos por “dever” alcançar para sermos
felizes. Uma casa própria; um emprego digno e de respeito; prestígio
profissional; um casamento bem sucedido; filhos; dinheiro para viajar; roupas
descoladas e na moda. A felicidade, dizem, é tudo isso e um pouco mais, lá no
futuro, quando chegamos a esse patamar de realizações.
E
o mundo, esse construtor de ruínas, implode milhares de vontades, recalcando-as
ao fundo da alma, sufocando a verdade incontestável que paira sobre todos os homens:
não há amanhã. Não se vive o amanhã; não se mata a fome no amanhã; não há
sorrisos no amanhã; não existem construções no amanhã; não há paz no amanhã. E
nos ligamos, como robôs, para executar, diariamente, programações cada vez mais
excessivas em busca de construir um amanhã que não chega.
Trabalhamos
à exaustão; relacionamo-nos com pessoas, sem nos perguntar se é isso que
realmente queremos. Mas quem sabe, de fato, o que realmente quer? Somos
máquinas orgânicas, sem qualquer raciocínio quando se trata de avaliar nossa
própria vida. Dormir, comer, trabalhar e voltar a dormir. Tudo milimetricamente
construído para nos distrair da amargura diária de não saber quem somos, para
onde vamos e, principalmente, o que desejamos.
Olho-me
no espelho. Tenho trinta e nove anos. Meu amigo tinha vinte e sete. Que sonhos
estou deixando de realizar para construir esse mundo de fantasias que a cultura
diz ser sinônimo de felicidade? Que frustrações estou escondendo, como um preço
a ser pago para conquistar esse amanhã, que a morte pode interromper a qualquer
instante?
Suspiro
triste. Meu amigo não teve a chance de se fazer a mesma questão. Mas sua morte,
que provavelmente se tornará uma estatística, ensinou-me a mais verdadeira das
lições: a vida é curta de mais para vivermos frustrados.
G. P. Silva Rumin
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