sábado, 3 de março de 2018

ELE SÓ TINHA 27


9:00 horas. Caia uma chuva torrencial na “cidade sem limites” naquele domingo, pós-carnaval. Acessei meu facebook e deparei-me com a notícia triste da morte de um amigo do trabalho. Uma morte que não foi anunciada, tão pouco esperada, mesmo quando a notícia de uma doença misteriosa o havia acometido na quarta-feira de cinzas.
Era um bom moço. Tinha vinte e sete anos. Espalhava sorrisos de galhofa, enquanto discutíamos os rumos de “Game of Thrones”, entre uma pausa ou outra da tela dos computadores e do mundo de leis que nos engolia todos os dias. Era proativo. Sabia que, além de sua rotina exaustiva de oito horas de trabalho, fazia seus incontáveis “bicos” após o expediente. Tinha uma jovem esposa, um filho de dois anos e um bebê por nascer.


Caminhava pela vida com o sonho de construir algo: família, patrimônio, reputação, tranquilidade financeira. Uma jornada diária com vistas a um futuro melhor, cada dia mais difícil de ser conquistado, nessa era de sonhos e ilusões gerados pela modernidade líquida. Alguém preocupado com o futuro, entregando-se a um agora repleto de responsabilidade.
Indago-me a razão de tudo, se é que para a morte há uma razão. Somos todos sonhadores e realizadores quando crianças, mas esse mundo, cruel e torturador, deita em seus sermões uma série de valores que temos por “dever” alcançar para sermos felizes. Uma casa própria; um emprego digno e de respeito; prestígio profissional; um casamento bem sucedido; filhos; dinheiro para viajar; roupas descoladas e na moda. A felicidade, dizem, é tudo isso e um pouco mais, lá no futuro, quando chegamos a esse patamar de realizações.
E o mundo, esse construtor de ruínas, implode milhares de vontades, recalcando-as ao fundo da alma, sufocando a verdade incontestável que paira sobre todos os homens: não há amanhã. Não se vive o amanhã; não se mata a fome no amanhã; não há sorrisos no amanhã; não existem construções no amanhã; não há paz no amanhã. E nos ligamos, como robôs, para executar, diariamente, programações cada vez mais excessivas em busca de construir um amanhã que não chega.
Trabalhamos à exaustão; relacionamo-nos com pessoas, sem nos perguntar se é isso que realmente queremos. Mas quem sabe, de fato, o que realmente quer? Somos máquinas orgânicas, sem qualquer raciocínio quando se trata de avaliar nossa própria vida. Dormir, comer, trabalhar e voltar a dormir. Tudo milimetricamente construído para nos distrair da amargura diária de não saber quem somos, para onde vamos e, principalmente, o que desejamos.
Olho-me no espelho. Tenho trinta e nove anos. Meu amigo tinha vinte e sete. Que sonhos estou deixando de realizar para construir esse mundo de fantasias que a cultura diz ser sinônimo de felicidade? Que frustrações estou escondendo, como um preço a ser pago para conquistar esse amanhã, que a morte pode interromper a qualquer instante?
Suspiro triste. Meu amigo não teve a chance de se fazer a mesma questão. Mas sua morte, que provavelmente se tornará uma estatística, ensinou-me a mais verdadeira das lições: a vida é curta de mais para vivermos frustrados.
G. P. Silva Rumin

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