sábado, 30 de junho de 2018

O VERBO


No princípio, era o verbo. No Gênesis foi escrito. E então, Eu, a máxima criação do homem, nasci. Foi escrito que esse Eu criou todas as coisas, desde o dia e a noite até as marés, até que se chegou ao paradoxo de dizer que criei meu próprio criador: o ser humano.

Já tive inúmeros nomes, é verdade. No Egito fui Amon-Rá, na Babilônia Marduk, entre os Hebreus fui Javé, na Grécia fui Zeus, em Roma fui Júpiter, entre os Hindus fui Buda, na China fui Tao, no Japão fui tudo que leva o nome de Kami e entre os árabes fui Alah, nome este que os mulçumanos também adotaram, muito tempo depois.
As coisas começaram a complicar mesmo quando alguns homens, considerados sábios, resolveram transformar um rapazote rebelde em Meu filho, depois de sua crucificação lá em Jerusalém.
Conta-se à boca pequena, e como a maior de todas as verdades, que em um evento miraculoso Eu engravidei sua mãe, uma virgem, sem nenhum tipo de contato carnal. E dessa imaculada conceição nasceu Meu único e amado filho, enviado a terra para salvação de todos os homens. E esse menino, o Jesus, virou Deus e, portanto, começaram a me chamar de Jesus também.
Acontece que Jesus falou de uma suposta segunda vinda. E, desde então, os seres humanos esperam um salvador. E Eu, que no início de minha criação, era vingativo e lutava ao lado dos exércitos humanos, tornei-me um julgador, um ente que sempre esperam e nunca chega, muito embora tenham pessoas lá do Japão que acreditam que Eu já vim e até me deram o nome de Meishu-Sama. Olhem só!
Salvador! E como os homens o almejam! Um Superman, sem capa, que sente no trono e, como um bom pai, alivie de toda a humanidade a responsabilidade de tomar suas próprias decisões! Pois se as coisas saírem errado, afinal de contas, fui Eu, Deus, Salvador, quem quis!
E choram lágrimas de coitadinhos; rezam orações fervorosas para derrotar seus inimigos na batalha, sem saberem que do outro lado da trincheira, seus inimigos rezam pelo mesmo! Pedem perdão aos prantos e mergulham em culpas, mas não conseguem perdoar a si mesmo! Rezam porque dizem que a fé move montanhas, mas não percebem que a montanha pode ser removida pela força e obstinação das pás e picaretas que eles mesmos criaram.
E as mulheres? Os mesmos que me criaram como Deus, criaram a ilusão de sexo frágil, submisso e sem poder. E os gays? Que lei é essa, que Eu jamais impus, que dizem que homossexuais tem passagem certa para o inferno? E quem foi que disse que inferno existe? Pobre homem criador! Criou a Mim, criou o inferno, criou o pecado e tornou essas três invenções uma desculpa para perseguir, prender, queimar ou excluir seus semelhantes.
O homem criou Deus para explicar o que não sabia; depois, em nome desse mesmo Deus, começou a queimar e torturar cientistas que encontravam as respostas. Acham por bem, também, lutar uns contra os outros só porque meu nome é diferente entre os povos. Todos querem lutar pelo seu Deus, seja através de guerras, seja através do preconceito.
E assim esse meu Eu vem atravessando a história como expectador. Às vezes sorrio, às vezes me preocupo. Todos me procuram, mas ninguém nota que Eu habito dentro do próprio homem, adormecido, solitário, sempre à espera dessa descoberta: meu criador é o próprio criador.

G. P. Silva Rumin

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