No princípio, era o
verbo. No Gênesis foi escrito. E então, Eu, a máxima criação do homem, nasci.
Foi escrito que esse Eu criou todas as coisas, desde o dia e a noite até as
marés, até que se chegou ao paradoxo de dizer que criei meu próprio criador: o
ser humano.
Já tive inúmeros
nomes, é verdade. No Egito fui Amon-Rá, na Babilônia Marduk, entre os Hebreus
fui Javé, na Grécia fui Zeus, em Roma fui Júpiter, entre os Hindus fui Buda, na
China fui Tao, no Japão fui tudo que leva o nome de Kami e entre os árabes fui
Alah, nome este que os mulçumanos também adotaram, muito tempo depois.
As coisas começaram
a complicar mesmo quando alguns homens, considerados sábios, resolveram transformar
um rapazote rebelde em Meu filho, depois de sua crucificação lá em Jerusalém.
Conta-se à boca
pequena, e como a maior de todas as verdades, que em um evento miraculoso Eu
engravidei sua mãe, uma virgem, sem nenhum tipo de contato carnal. E dessa
imaculada conceição nasceu Meu único e amado filho, enviado a terra para
salvação de todos os homens. E esse menino, o Jesus, virou Deus e, portanto,
começaram a me chamar de Jesus também.
Acontece que Jesus
falou de uma suposta segunda vinda. E, desde então, os seres humanos esperam um
salvador. E Eu, que no início de minha criação, era vingativo e lutava ao lado
dos exércitos humanos, tornei-me um julgador, um ente que sempre esperam e
nunca chega, muito embora tenham pessoas lá do Japão que acreditam que Eu já
vim e até me deram o nome de Meishu-Sama. Olhem só!
Salvador! E como os
homens o almejam! Um Superman, sem capa, que sente no trono e, como um bom pai,
alivie de toda a humanidade a responsabilidade de tomar suas próprias decisões!
Pois se as coisas saírem errado, afinal de contas, fui Eu, Deus, Salvador,
quem quis!
E choram lágrimas
de coitadinhos; rezam orações fervorosas para derrotar seus inimigos na
batalha, sem saberem que do outro lado da trincheira, seus inimigos rezam pelo
mesmo! Pedem perdão aos prantos e mergulham em culpas, mas não conseguem
perdoar a si mesmo! Rezam porque dizem que a fé move montanhas, mas não
percebem que a montanha pode ser removida pela força e obstinação das pás e
picaretas que eles mesmos criaram.
E as mulheres? Os
mesmos que me criaram como Deus, criaram a ilusão de sexo frágil, submisso e
sem poder. E os gays? Que lei é essa, que Eu jamais impus, que dizem que
homossexuais tem passagem certa para o inferno? E quem foi que disse que
inferno existe? Pobre homem criador! Criou a Mim, criou o inferno, criou o
pecado e tornou essas três invenções uma desculpa para perseguir, prender, queimar
ou excluir seus semelhantes.
O homem criou Deus
para explicar o que não sabia; depois, em nome desse mesmo Deus, começou a
queimar e torturar cientistas que encontravam as respostas. Acham por bem,
também, lutar uns contra os outros só porque meu nome é diferente entre os
povos. Todos querem lutar pelo seu Deus, seja através de guerras, seja através
do preconceito.
E assim esse meu
Eu vem atravessando a história como expectador. Às vezes sorrio, às vezes me
preocupo. Todos me procuram, mas ninguém nota que Eu habito dentro do próprio
homem, adormecido, solitário, sempre à espera dessa descoberta: meu criador é o
próprio criador.
G. P. Silva Rumin
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