domingo, 17 de junho de 2018

TRECHO DE HU-QI: LIVRO I

      Hoje estou atendendo um pedido muito especial daqueles que acompanham minhas postagens nas redes sociais: estou disponibilizando um dos capítulos de Hu-Qi: Livro I para leitura.
      Espero que gostem do início dessa saga incrível de Adriana de Owen.
      Boa Leitura!

O EMBATE NA TERRA DOS MORTOS
(Iron Maiden – Transylvania)


Reino dos Mortos. Terras Inferiores. Diziam que no início dos tempos o mundo era uno, onde homens, deuses e criaturas extraordinárias como os dragões viviam harmoniosamente. Mas não se sabe desde quando ou o que provocou a divisão que conhecia no agora, mas de fato, sabia que à parte do Reino dos Homens, havia outros mundos convivendo paralelamente.
O Reino dos Mortos, ou Plano Espiritual, como chamavam alguns, era o reino para onde os espíritos partiam após a morte no Reino dos Homens, ou Plano Material. A gigantesca comunidade em que vivia, dividia-se em Terras Inferiores, Planícies Intermediárias e Terras Altas. Cada região era dividida em conformidade com o tipo de espíritos que as habitavam. Uma divisão rigorosamente guardada, cuja modificação era quase impossível.
Sabia, de modo vago, que no mundo dos homens, já haviam construído máquinas capazes de voar ou de levar as pessoas de um local ao outro em poucos minutos, mas ali, o tempo jamais passava. Um dia lhe disseram que essa sensação de continuidade tinha raiz na proporção de apego à vida terrena que os espíritos mantinham, mas particularmente, nunca havia pensado profundamente sobre tal assunto.
Um relâmpago riscou o céu, despertando-o de seus pensamentos. Houve um clarão no Vale Errante, seguido de um estrondoso trovão, deixando homens e cavalos apreensivos. Muito embora estivesse frio, o general Ethiene estava suarento por baixo da armadura reluzente, enquanto via seus milhares de soldados alinharem-se à sua retaguarda. O barulho do trote de cavalos se aproximando à distância era prelúdio de confronto em breve.
Ao longe, vestindo a armadura cravejada de dragões em alto relevo, Robert de Owen, gesticulava para que os soldados permanecessem em alerta, enquanto enfileiravam-se, tomando as respectivas posições de combate. Na escuridão que atingia o vale, conseguia distinguir um a um os primeiros combatentes, com suas lanças levemente inclinadas.
Respirou fundo. Sabia exatamente como agir. Ethiene de Bricassat ergueu o braço esquerdo, saudando o oponente, que respondeu com a mesma cordialidade. “Talvez seja possível um diálogo” pensou involuntariamente. Segurou a rédea, dispensando acompanhantes, o que foi imitado por Robert. Já não sentia medo da morte, pois de fato estava morto, ou ao menos seu corpo carnal. Temia apenas a derrota; temia a prisão eterna naquele lugar frio e escuro.
Por instantes que pareceram eternos os generais se encararam. Homens cochichavam em ambos os lados, enquanto alguns relinchos cortavam aquela pretensa discrição. Havia temor e respeito entre eles, por isso, em sinal de amizade, retirou o pesado elmo, deixando os cabelos negros e encaracolados à mostra.
_ Salve Robert! _ saudou.
_ Salve! _ respondeu também retirando o capacete.
_ Eis os termos da Casa de Bricassat: Adriana de Owen deve ser liberada imediatamente para retornar ao ceio da família dos Owens e para que possa conhecer nosso herdeiro.
_ A Casa de Owen não pode permitir que Adriana seja liberada... _ respondeu solene _ A herdeira estaria correndo grande perigo ao retornar à casa da família e, principalmente, se assumir a posição que ocuparia por direito de nascença... Devem encontrar outra consorte para casar seu herdeiro... _ explicou.
_ Adriana de Owen e o herdeiro dos Bricassats assumiram de comum acordo, antes de nascerem no mundo dos homens, que cumpririam a missão de resgatar a dívida que Mirian de Owen assumiu... _ hesitou tentando não demonstrar emoção _ ... assumiu por abandonar marido e filho, rompendo o casamento entre as casas, sem nenhum motivo maior... Ela violou a lei e pelo elo do casamento, os herdeiros desta geração devem resgatar este débito... permitindo que todos nós possamos ser transferidos para as Terras Altas!
_ O acordo que celebramos... _ baixou os olhos envergonhado, sem saber ao certo como justificar aquela quebra de contrato _ Ethiene... Dei-lhe minha palavra de nobre, que protegeríamos a união de nossos herdeiros a qualquer preço... Mas, infelizmente, por ordem de antepassados das Terras Altas, Adriana e seu herdeiro não podem se encontrar... Ela corre risco... e seu herdeiro também... Não podemos cumprir o acordo...
Fitou-o com perplexidade, pois quem em sã consciência ousaria violar um pacto com aquele teor? Todos que estavam presos naquele cantão do Reino dos mortos sabiam, ou ao menos tinham uma noção vaga, que seus deméritos na Terra dos Vivos geravam dívidas, que podiam ser resgatadas através de seus descendentes. O não cumprimento contribuía para que eles ficassem presos indeterminadamente no Plano em que se encontravam. Violar um pacto, naquele momento, seria prendê-los por tempo indefinido naquele nível! Um nível onde só havia guerra, dor, fome... sofrimentos!
_ Isso é um ultraje a todos nós! _ berrou _ Estamos presos nesse lugar... enjaulados como animais... O casamento de ambos encerra o débito que nos lançou a este inferno... não somente minha Casa, como a sua! Exijo o cumprimento do acordo!
_ Neste caso... _ tornou a vestir a pesada couraça _ Não há condições de diálogos... Cumpro ordens superiores e não tenho autonomia ou poderes para desrespeitar... Se é a guerra que deseja... lembro que aqui... não há mortes... só a dor...
_ Que assim seja por culpa dos Owens! _ disse secamente.
_ Não! Será assim por teimosia dos Bricassats!
Ethiene fechou o rosto enquanto cavalgava de volta a seus homens, com o braço levantado, indicando que tomassem posições. Arqueiros postavam-se à frente; cavalaria circundava o agora campo de batalha, armando um possível cerco para impedir que inimigos escapassem do embate; homens armados com espadas, lanças e machados compunham a grande massa que faria o corpo a corpo.
Com um grito gutural o general determinou o ataque. Uma massa disforme de homens gritando de ódio e de dor se enroscaram pelo Vale Errante, se ferindo mutuamente. Ganharia aquele que desistisse primeiro e nenhuma das Casas dava mostras de que hastearia a bandeira branca. A guerra entre Owens e Bricassats havia sido declarada nas Terras Inferiores do Reino dos Mortos.
G. P. Silva Rumin

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