sábado, 1 de setembro de 2018

ALGUMAS PALAVRAS SOBRE O LIVRO “AMORA”


Quando estamos crescendo, é natural que busquemos, na arte e na História, pontos de identificação conosco; uma espécie de algo que nos permita dizer “Olha! Sou parecida com esse ou com aquele” ou então “Nossa! Já passei por tal situação!”. Por isso penso que a arte e a História são essenciais para a formação da identidade humana, individual ou coletiva.
Debrucei-me sobre livros de História e literatura muito cedo. Mas havia algo que me intrigava sempre. Não havia figuras históricas femininas com ares heroicos; os negros eram abordados sempre como escravos ou em posições baixas na escala social; o amor entre pessoas do mesmo sexo era retratado sempre sobre a ótica do preconceito, da reprovação social e do ostracismo.

Mas à parte da historiografia oficial e dos livros que as Direções Escolares nos empurravam goela baixo, um mundo inteiro existia sem muito acesso. Um mundo de mulheres poderosas, retratadas fielmente com todos os seus atributos de inteligência, poder e atos que mudaram o curso da História. Um mundo que retrata a riqueza da África, seus heróis, a resistência à escravidão, sua mitologia, diversidade e religiosidade. Um mundo onde o amor era livre de preconceitos sociais.
E, com surpresa, ao ler o livro Amora, de Natália Borges Polesso, notei logo que se trata de uma dessas obras raras, que nos induz a repensar nossos próprios paradigmas.
Com delicadeza, essa série de contos tem a temática do mundo lésbico pintado com suas dúvidas, seus conflitos de relacionamentos, suas descobertas e perspectivas, tão comuns a qualquer ser humano, que a trivialidade na descrição do cotidiano de um casal, como no conto “Marília acorda”, provoca um sentimento genuíno de pertencimento e identificação que são raros no universo LGBT.
Ok! Talvez para um leitor desavisado, que venha a ler o citado conto, essa visão seja exagerada. Mas vamos analisar por um ângulo totalmente distinto? Todo gay enfrenta, em algum momento de sua vida, o maior de todos os dilemas: ser o que é ou fingir ser um alguém socialmente aceito. E os contras são muitos. É uma sensação de total desencaixe em sua própria família, em seu grupo escolar, em seu trabalho. Uma visão que nos remete, necessariamente, à sensação obtusa de não pertencer a lugar nenhum.
Por isso, quando estamos diante de um conto como “Marília acorda”, em que se retrata um casal de velhinhas com a chama acesa do amor mantida através de pequenos gestos, a noção que se descortina é a de que absolutamente nada importa. Nem opiniões contrárias daqueles que se metem a subir em púlpitos condenando algo que nunca experienciaram.
E eis o ponto crucial de identificação: “Sou gay e amar, relacionar-se, ter uma família, é possível!”. E a vida se torna mais leve quando entendemos que ser quem somos, em meio a esse emaranhado de valores sociais distorcidos, é tudo que importa para sermos felizes.
Certa vez escutei de um hétero, metido a macho alfa, “É realmente uma pena que você goste de mulher... É muito inteligente... Você teria um futuro brilhante, mas...” E ao escutarmos algo assim quando sua vida está no início, tudo que queremos é uma resposta contrária... Um algo que nos diga “É mentira! Você será um sucesso como é!” Daí a importância de obras como Amora... Sua mensagem final diz que somos um sucesso, como somos, pelo simples fato de sermos todos humanos.
Para quem gostaria de adquirir a obra, é vendido pela amazon.com.br. Vale muito a pena conferir!

G. P. Silva Rumin

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