
Debrucei-me sobre
livros de História e literatura muito cedo. Mas havia algo que me intrigava
sempre. Não havia figuras históricas femininas com ares heroicos; os negros
eram abordados sempre como escravos ou em posições baixas na escala social; o
amor entre pessoas do mesmo sexo era retratado sempre sobre a ótica do
preconceito, da reprovação social e do ostracismo.
Mas à parte da
historiografia oficial e dos livros que as Direções Escolares nos empurravam
goela baixo, um mundo inteiro existia sem muito acesso. Um mundo de mulheres
poderosas, retratadas fielmente com todos os seus atributos de inteligência,
poder e atos que mudaram o curso da História. Um mundo que retrata a riqueza da
África, seus heróis, a resistência à escravidão, sua mitologia, diversidade e
religiosidade. Um mundo onde o amor era livre de preconceitos sociais.
E, com surpresa, ao
ler o livro Amora, de Natália Borges
Polesso, notei logo que se trata de uma dessas obras raras, que nos induz a
repensar nossos próprios paradigmas.
Com delicadeza, essa
série de contos tem a temática do mundo lésbico pintado com suas dúvidas, seus
conflitos de relacionamentos, suas descobertas e perspectivas, tão comuns a
qualquer ser humano, que a trivialidade na descrição do cotidiano de um casal,
como no conto “Marília acorda”,
provoca um sentimento genuíno de pertencimento e identificação que são raros no
universo LGBT.
Ok! Talvez para um
leitor desavisado, que venha a ler o citado conto, essa visão seja exagerada. Mas
vamos analisar por um ângulo totalmente distinto? Todo gay enfrenta, em algum
momento de sua vida, o maior de todos os dilemas: ser o que é ou fingir ser um
alguém socialmente aceito. E os contras são muitos. É uma sensação de total
desencaixe em sua própria família, em seu grupo escolar, em seu trabalho. Uma
visão que nos remete, necessariamente, à sensação obtusa de não pertencer a
lugar nenhum.
Por isso, quando
estamos diante de um conto como “Marília
acorda”, em que se retrata um casal de velhinhas com a chama acesa do amor
mantida através de pequenos gestos, a noção que se descortina é a de que
absolutamente nada importa. Nem opiniões contrárias daqueles que se metem a
subir em púlpitos condenando algo que nunca experienciaram.
E eis o ponto crucial
de identificação: “Sou gay e amar,
relacionar-se, ter uma família, é possível!”. E a vida se torna mais leve
quando entendemos que ser quem somos, em meio a esse emaranhado de valores
sociais distorcidos, é tudo que importa para sermos felizes.
Certa vez escutei de
um hétero, metido a macho alfa, “É
realmente uma pena que você goste de mulher... É muito inteligente... Você
teria um futuro brilhante, mas...” E ao escutarmos algo assim quando sua
vida está no início, tudo que queremos é uma resposta contrária... Um algo que
nos diga “É mentira! Você será um sucesso
como é!” Daí a importância de obras como Amora... Sua mensagem final diz que somos um sucesso, como somos,
pelo simples fato de sermos todos humanos.
Para quem gostaria de
adquirir a obra, é vendido pela amazon.com.br. Vale muito a pena conferir!
G.
P. Silva Rumin
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